Mas sabe. existem pessoas que estudam para ouvir 100%. São os ouvidos mais atentos do mundo, e estão diretamentes ligados a um cérebro magnífico que ao receber informações da minha vida é capaz de simplificar toda a minha confusão (porque não é o meu próprio cérebro, obviamente), e mandar pela boca palavras de (des)conforto que me fazem sentir melhor. Por apenas alguns muitos dinheiros. E eu resolvo falar as palavras engasgadas para os ouvidos 100%. Começo falando baixo, um pouco tímida, as palavras se espremendo entre o ar e o osso de galinha, saindo meio tortas e cansadas. Quase não acreditando que estão sendo libertas, meio desconfiadas, ressabiadas, fazendo rodeios. Não sabem ao certo pra quem estão indo, se misturam nas mãos agitadas trocando o anel de dedo em dedo, arrumando a franja já arrumada, colocando o cabelo atrás da orelha, mexendo na casquinha do brinco que tá inflamando a orelha, puxando fiozinho da blusa, se misturam nas pernas fortemente cruzadas. São soltas e jogadas para alguém que realmente as escuta, e aos poucos as outras vão sentindo vontade de sair também, pois também querem ser ouvidas. E as outras, as outras, as outras... Nessa hora as palavras da garganta já liberaram o espaço e o ar passa livremente, de dentro pro mundo, do mundo pra dentro. Existe ar do lado de fora, e é tão puro, e é tão bom. Balão de gás hélio. E sobe, sobe, sobe... E quanto mais alto, mais leve, pois as palavras estão saindo e tirando todo o peso. Palavras que estavam guardadas em tantos lugares, onde nem eu mesma sabia que existiam. E falo falo falo falo falo...
Mas também escuto. Verdadeiras porradas. Coisas que me fazem parar por três segundos num sorriso amarelo, numa reflexão tão profunda que sou capaz de viajar no meu universo inteiro e voltar com outra visão completamente diferenciada de tudo o que eu acabei de falar. E é simples assim como parece. Simples e dolorido assim. Dolorido porque descubro que se a minha vida fosse um filme num daqueles rolos de cinema antigo e você resolvesse projetar numa parede qualquer, você veria um filme em sua maioria preto e branco, totalmente mudo, e em algum determinado momento (ainda do início) a película embolaria e não daria pra ver o resto. A única pessoa interessada em ver o resto sou eu, portanto o trabalho de desembolar e consertar pra não embolar de novo é todo e puramente meu. Paciência, cuidado, organização do enredo, das datas, dos fatos, dos sentimentos de cada cena. E sem deixar romper para que o filme não fique pela metade pra sempre. O interesse é meu de ver esse filme terminando em um final feliz, colorido e com a trilha sonora que eu gosto.
Ass: Bella Marcatti